"Temos em Portugal, cada vez mais, lacunas crónicas no campo da educação e da cultura. E isso tem reflexos óbvios na nossa produção de canções. à conta do falso estigma «o portuguÊs é uma língua difícil» instalou-se uma inépcia generalizada no que toca a musicar as palavras e as expressões simples do nosso idioma.
se a música é uma mão à qual há que calçar uma luva que é a letra, eu diria que produzimos muitas luvas com seis dedos, ou só com três, ou até com os cinco, mas escusadfamente largas ou apertadas. O nosso estoque de luvas justas em mãos elegantes é, infelizmente, curto. Com isto que sofre é o nosso património musical cujo conteúdo, salvas as devidas excepções, vai ficando mais pobre. Quando peço aos meus alunos um título de um clássico portuguÊs - um «Chico Fininho», um «Deixa-me Rir» - escrito depois do ano 2000, segue-se sempre um silêncio desconfortável. Se não fossem as elenovelas (que têm estado a fazer serviço público, substituindo a rádio e o resto da TV), o repto quase que ficava sem resposta.
Enquanto isto, do outro lado do «rio», os nossos irmãos brasileiros somam e seguem! Chega continuamente aos meus ouvidos a produção absolutamente luxuriante de novos artistas e novos autores transbordando a verve; luvaria chique! Enquanto nós nos afastamos da língua, abusando de anglicismos saloios, eles entram por ela dentro: penetram-na, possuem-na! Eu costumo dizer que os brasileiros amam a nossa língua - e transam com ela. Todos os dias!
Eu pedia desde já aos crânios que detêm a pasta da educação - e aos da cultura, também - uma atenção muito especial neste particular: os infantes portugueses estão a passar directamente da chucha para o ecrã e, na escola, em casa e na vida, não estão nem a ouvir falar! Crescendo assim, sem oralidade, num universo de cristais líquidosem que não exercitam, não dominam e enfim: não possuem o português, como poderão escrever algo que se veja - canções, por exemplo - no futuro?
É responsabilidade vossa - crânio eleitos - actuar perante esta situação. É que estamos a deixar de usar a língua, e isto é muito grave, senhores! Em vez de transar com ela, fazêmos-lhe piercings; traímo-la! Não vos parece que este problema é por demais prioritário comparado com questiúnculas como a colocação de professores ou a direcção do Teatro Nacional? Enquanto os vossos crânios geniais insistirem em bater ao lado, sinto-me com autoridade para vos dar uma lição!" @
(texto de Gimba)
"Como é que se pode fazer música do contra vivendo sem desacatos e sem «overdoses»?
Já alguém ouviu falar no «som de Valongo? Eu também não. Mas era bom que ele existisse. Era bom que, assim, do meio do nada surgisse por aí - em Valongo, por exemplo - um movimento verdadeiramente radical, uma música visceral, um rock anti-rock!
Anti-rock, porquê? Porque fora de Valongo o rock anda muito atinado, muito careta. Para dizer a verdade, fora de Valongo o rock já não tem nada a ver com rock! Sim: o rock que anda agora aí já não tem nada a ver com o verdadeiro rock - o das rebeliões, das mudanças e das viragens - com o rock «do contra», o rock da revolução!
O rock parece que atinou. Parece que casou e teve filhos. Ganhou pança, bebe uísque velho, e estabilizou. Um pouco à laia do que JP Simões canta em «A Minha Geração». Em suma: o rock envelheceu, e parece que desistiu! Como é possível? Apesar de ser uma música aparentemente «jovem», praticada por jovens, com atitudes supostamente jovens, o rock perdeu a pica, perdeu a tusa, perdeu o tino. Fora de Valongo o rock está um bocejo!
Aquela música imprevisível, de momentos e consequências imprevisíveis deixou de existir. Fazer rock fora de Valongo é hoje em dia tão excitante como salivar estampilhas numa repartição de finanças. Tornou-se uma actividade banal. Uma carneirada igual às outras... A aventura de fazer um concerto sem certezas, acabou. A vida dos roqueiros fora de Valongo é tão certinha e previsível como as datas seguidas de um calendário...
Qual é a piada disto? Como é que se pode fazer música do «contra» quando, paradoxalmente, por muito que não pareça, se existe «a favor»? Como é que se pode fazer música «do contra» vivendo sem desacatos e sem «overdoses»? Como é que se pode fazer música «do contra» em concertos com camarinzinhos todos catitas, com bebidas e acepipes e, imagine-se, espelhos? Como é que se pode fazer música «do contra» perante plateias ordeiras, não-fumadoras, pagantes, e politicamente correctas?
E, no estado deplorável em que estão o mundo e as sociedades humanas (e o própio rock!) como é possível não fazer música «do contra»? Como é possível não fazer rock «do contra» ante esta chusma inigualável de políticos «lambe-botas»? Onde estão os profetas de amanhã? Onde estão os teóricos do novo século? Onde está a pulga da revolução?
Está tudo em Valongo, meus amigos. Quando o «som de Valongo» - o rock anti-rock - despertar, o mundo tremerá!" @
(texto de Gimba)